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sábado, 3 de maio de 2014

3 de Maio - Homenagem de Bruno Maia (Brasil)


Eu nasci em 1983, ou seja, era criança bem na época em que ele estava no auge. Me lembro que, quando encontrava alguém da família ou mesmo amigos, ouvia sempre a mesma pergunta: "O que você quer ser quando crescer?". E minha resposta era sempre a mesma: "Jogador de futebol ou piloto de F1". A primeira opção é fácil, afinal "o Brasil é o país do futebol", mas a segunda só tinha uma razão: ele!!

Me recordo de quando eu, e o Brasil todo, acordávamos no meio da madrugada para ver aquelas corridas decisivas no outro lado do mundo. Quando tudo isso me vem a mente, sinto de novo o frio na barriga daquelas noites, a ansiedade, a torcida...50, 60, 70 voltas rezando pro carro resistir, pra alguém que estivesse a frente (nas raras vezes em que isso acontecia) quebrar ou pra chover; aquela angústia das corridas em Interlagos, onde sempre parecia que algo conspirava contra e a vitória nunca vinha.

Mas as coisas começavam a acontecer, a dar certo, e veio o 1º título...depois outro, tirado na mão grande (e ali Prost virava definitivamente o inimigo número 1 do Brasil, trazendo Balestre a tiracolo). Ele era o ídolo, o cara que mostrava que algo no Brasil poderia dar certo. Era o melhor piloto, no melhor carro, mas era sempre difícil, pois existiam muitos outros bons pilotos na mesma disputa. Veio o bi, aquele troco em Prost, um ano depois e no mesmo lugar. Pronto, estávamos todos vingados! Mas ainda faltava mais, ele podia mais! E veio! Ano seguinte, a Mclaren encarava uma Williams que já mostrava quem iria mandar na F1 nos próximos anos. E aí mais do que nunca o "braço" fez a diferença. Ele contra o resto, o Brasil contra o resto! Vem a vitória em Interlagos, épica, histórica, alucinante. Sol, chuva, Sol de novo...carro quebrado, se arrastando, e ele ali, a tudo aguentando, segurando, rezando, acelerando...desmaiando!!

Chega a decisão, no mesmo lugar de sempre...pouco mais de 10 voltas, e de repente a Williams escapa na curva, presa na caixa de brita. Acabou!! Madrugada no Brasil, fogos espocando pelo país todo, milhões acordados. Era mais um título, e sim, ele era o melhor de todos!

Mas a Mclaren já não era mais o melhor carro, o que deixava tudo ainda mais duro! As vitórias ficam mais raras, mas quando acontecem são marcantes, maravilhosas! Donington, a melhor 1º volta de todos os tempos. Interlagos, novamente dramático, novamente na chuva. Mas de que valeria se não fosse desse jeito?

É o auge como piloto, mas o carro não ajuda mais.

A ânsia por mais vitórias, por mais títulos o tira de casa...aquele carro vermelho e branco agora é azul e branco. Expectativa, mas há algo estranho no ar: parece que não combina, parece algo frio, algo desconfortável. Começa a temporada, e aquele carro que deveria ser o melhor não funciona, é uma "cadeira elétrica", como ele mesmo diz. O adversário é novo, alemão, equipe média, suspeitas de irregularidades pairam...

Chega Ímola, terceira corrida. Zero pontos, hora da virada. Mas o fim de semana é negro. Acidentes graves, morte, algo que já parecia distante daquela mundo. Mas com ele não, não ia acontecer nada. Vem a largada, novo acidente. Estava na praia nessa hora, ouvimos sobre o acidente, tínhamos perdido a hora da largada. Voltamos correndo. Aproveitei o tempo de espera, fui para o banho. Só lembro do grito da minha tia na hora da batida. Volto correndo. Ali está o carro destroçado, todos sem respirar. Os segundos passam e nada de movimentação. Três anos antes e uma capotagem no México deixou o país sem respirar por alguns segundos. Agora dura mais. O capacete balança, seria um sinal? Vem o atendimento, muita gente, muito medo de que algo fosse visto. Pés em 180º graus. Péssimos sinais. Helicóptero voando, vai com ele o país inteiro. Horas passam, chega a notícia que ninguém queria ouvir. Por essas ironias do destino, 1 dia antes ele tinha saído na capa de uma grande revista, falando do futuro. Agora não existiria mais futuro. Tudo acabado, um pesadelo. Não pode ser real, não pode ser verdade! Comoção! O cara que levava o Brasil para o mundo, que nos mostrava que podíamos, estava morto! Subimos a serra, minha mãe dirigindo e chorando compulsivamente. E assim foi, por um ano inteiro, e até hoje, quando ele aparece.

A aula no dia seguinte, escola em silêncio. O Brasil em silêncio! Ninguém conversando, ninguém brincando, nada! Todos nós morremos um pouco naquele dia.

Mas faltava o último ato, a última homenagem. Ele precisava voltar, mesmo que não mais vivo. Madruguei, e fiquei horas na janela, enquanto acompanhava o noticiário ao vivo. Morava em um lugar alto, último andar. Só saí da janela após ver o avião passar na frente do meu olhar. Talvez tenha sido o momento em que estive mais perto dele. Não deveria ser daquela forma, mas eu lhe devia isso.

País parado por um dia, lágrimas, gritos, homenagens. Nada do que fosse feito alcançaria tudo que ele representava.

O tempo passou, e mesmo 20 anos depois daquilo, parece que nada mudou. Ele ainda é o exemplo de esportista brasileiro, ídolo até de quem nunca o viu correr, até de quem nasceu após sua passagem.

E assim será, sempre, por 30, 40, 50 anos.

E eu posso dizer: eu vivi tudo aquilo, eu sempre vou lembrar de tudo aquilo. Eu sempre vou lembrar dele.

Tenho na minha sala seu resto, em madeira, como se observasse a tudo. Tenho sua voz e sua mensagem no meu celular, no MP3, no computador. Sua biografia está na estante, já li não sei quantas vezes.

Obrigado Deus, por ter nos dado esse exemplo. Obrigado por ter podido viver isso, e poder levar comigo até o final da vida.

Obrigado à você, Ayrton Senna da Silva.

Bruno Maia
Twitter: @BrunoSkywalker

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